Análise jurídica da decisão: plano de saúde condenado por negar materiais cirúrgicos essenciais
Nos últimos anos, aumentaram significativamente as ações judiciais envolvendo negativas de planos de saúde ao fornecimento de materiais cirúrgicos. Esse tipo de recusa afeta diretamente o tratamento médico e, muitas vezes, coloca em risco a integridade física do paciente. A judicialização ocorre porque as operadoras insistem em interpretar contratos e o rol de procedimentos da ANS de maneira restritiva, ignorando a indicação médica e as evidências técnicas que comprovam a necessidade dos insumos. A decisão analisada neste artigo, proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, é um exemplo emblemático dessa discussão e revela como o Judiciário tem reagido a condutas consideradas abusivas.
Negativa de kits cirúrgicos em procedimento de ATM
O processo discutido na decisão envolveu um paciente que necessitava de cirurgia de artroplastia e artroscopia da articulação temporomandibular (ATM). Apesar da orientação do cirurgião responsável e da complexidade do procedimento, o plano de saúde negou o custeio de dois kits de artroscopia, alegando que os materiais não seriam indispensáveis. A recusa gerou insegurança ao paciente e o obrigou a custear parte do tratamento por meios próprios, situação que culminou na judicialização do caso.
O desfecho, no entanto, foi favorável ao beneficiário: o tribunal condenou a operadora a custear integralmente o procedimento e fixou indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.
Laudo pericial e Código de Defesa do Consumidor
Um dos pontos decisivos foi a elaboração de um laudo pericial judicial que confirmou a necessidade dos kits negados. O perito concluiu que os materiais eram “inerentes ao procedimento”, o que significa que sua utilização não era opcional, mas essencial para garantir a eficácia e a segurança da cirurgia. Além disso, o relatório cirúrgico demonstrou que esses insumos foram efetivamente utilizados, reforçando a tese do paciente.
Com base nessas provas, o magistrado considerou a recusa abusiva à luz do
Código de Defesa do Consumidor, que protege o usuário de práticas que comprometam a prestação adequada do serviço. A decisão reconheceu ainda o chamado
dano moral
in re ipsa, ou seja, um dano que se presume pela própria gravidade da situação — a angústia e o risco a que o paciente foi exposto já são suficientes para configurar violação à esfera moral.
Como essa decisão se insere no panorama jurisprudencial brasileiro
A decisão do TJ/PE não é isolada. Diversos tribunais estaduais têm condenado planos de saúde por negar materiais cirúrgicos essenciais quando há indicação médica adequada. Essa orientação se apoia em fundamentos como:
- o dever de boa-fé contratual, que impede a operadora de impor dificuldade excessiva ao consumidor;
- a prevalência da indicação do médico assistente sobre critérios meramente administrativos;
- a interpretação do rol da ANS como referência mínima, que não autoriza tratamento discriminatório quando há necessidade comprovada de insumos não listados;
- a proteção constitucional ao direito à saúde.
Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha definido o rol da ANS como taxativo, admite
exceções, especialmente em casos em que não há substituto terapêutico eficaz, ou em que a recusa coloca em risco o tratamento. Assim, decisões como a do TJ/PE reforçam uma linha interpretativa moderna e coerente com a finalidade do contrato de plano de saúde: proporcionar bem-estar e garantir tratamento adequado ao beneficiário.
O papel da perícia judicial e a importância de documentos técnicos
O caso também evidencia a relevância da perícia na resolução de conflitos desse tipo. A partir do momento em que um perito confirma que o material é indispensável ao procedimento, a recusa do plano tende a ser interpretada como atentatória ao equilíbrio contratual. É fundamental, portanto, que pacientes e advogados reúnam:
- relatório médico detalhado;
- prescrição completa dos materiais;
- descrição da técnica cirúrgica;
- orçamento hospitalar;
- laudos e exames que comprovem a necessidade do procedimento.
A robustez documental aumenta significativamente as chances de sucesso em ações judiciais que buscam garantir o custeio.
Impacto prático para pacientes, profissionais e operadoras
Para o paciente, essa decisão reforça a mensagem de que a recusa injustificada não deve ser aceita passivamente. Profissionais da saúde também se beneficiam, pois decisões assim reafirmam a autoridade técnica do médico e a centralidade da indicação clínica. Já para as operadoras, o recado é claro: negativas genéricas ou burocráticas aumentam o risco de condenações, tanto por danos materiais quanto por danos morais.
Essa jurisprudência funciona como incentivo para que as empresas adotem políticas mais transparentes, invistam em auditorias médicas qualificadas e evitem decisões infundadas que podem gerar consequências financeiras e reputacionais.
Conclusão: a judicialização como ferramenta de proteção ao consumidor
A condenação analisada demonstra que o Judiciário tem atuado de forma firme para coibir práticas abusivas no setor de planos de saúde. A negativa de materiais cirúrgicos essenciais, especialmente quando há indicação médica precisa e comprovação técnica de necessidade, representa uma violação ao dever de boa-fé e ao próprio direito constitucional à saúde.
Embora desejável que tais conflitos fossem solucionados administrativamente, a experiência revela que a judicialização continua sendo, em muitos casos, o único meio de garantir a efetividade do tratamento. A decisão do TJ/PE contribui para solidificar uma jurisprudência que protege o consumidor e reconhece a vulnerabilidade do paciente nas relações com grandes operadoras.
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