Análise jurídica da decisão: plano de saúde condenado por negar materiais cirúrgicos essenciais

3 de novembro de 2025

Compartilhe

Nos últimos anos, aumentaram significativamente as ações judiciais envolvendo negativas de planos de saúde ao fornecimento de materiais cirúrgicos. Esse tipo de recusa afeta diretamente o tratamento médico e, muitas vezes, coloca em risco a integridade física do paciente. A judicialização ocorre porque as operadoras insistem em interpretar contratos e o rol de procedimentos da ANS de maneira restritiva, ignorando a indicação médica e as evidências técnicas que comprovam a necessidade dos insumos. A decisão analisada neste artigo, proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, é um exemplo emblemático dessa discussão e revela como o Judiciário tem reagido a condutas consideradas abusivas.


Negativa de kits cirúrgicos em procedimento de ATM


O processo discutido na decisão envolveu um paciente que necessitava de cirurgia de artroplastia e artroscopia da articulação temporomandibular (ATM). Apesar da orientação do cirurgião responsável e da complexidade do procedimento, o plano de saúde negou o custeio de dois kits de artroscopia, alegando que os materiais não seriam indispensáveis. A recusa gerou insegurança ao paciente e o obrigou a custear parte do tratamento por meios próprios, situação que culminou na judicialização do caso.

O desfecho, no entanto, foi favorável ao beneficiário: o tribunal condenou a operadora a custear integralmente o procedimento e fixou indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.


Laudo pericial e Código de Defesa do Consumidor


Um dos pontos decisivos foi a elaboração de um laudo pericial judicial que confirmou a necessidade dos kits negados. O perito concluiu que os materiais eram “inerentes ao procedimento”, o que significa que sua utilização não era opcional, mas essencial para garantir a eficácia e a segurança da cirurgia. Além disso, o relatório cirúrgico demonstrou que esses insumos foram efetivamente utilizados, reforçando a tese do paciente.

Com base nessas provas, o magistrado considerou a recusa abusiva à luz do Código de Defesa do Consumidor, que protege o usuário de práticas que comprometam a prestação adequada do serviço. A decisão reconheceu ainda o chamado dano moral  in re ipsa, ou seja, um dano que se presume pela própria gravidade da situação — a angústia e o risco a que o paciente foi exposto já são suficientes para configurar violação à esfera moral.

Como essa decisão se insere no panorama jurisprudencial brasileiro


A decisão do TJ/PE não é isolada. Diversos tribunais estaduais têm condenado planos de saúde por negar materiais cirúrgicos essenciais quando há indicação médica adequada. Essa orientação se apoia em fundamentos como:

  • o dever de boa-fé contratual, que impede a operadora de impor dificuldade excessiva ao consumidor;
  • a prevalência da indicação do médico assistente sobre critérios meramente administrativos;
  • a interpretação do rol da ANS como referência mínima, que não autoriza tratamento discriminatório quando há necessidade comprovada de insumos não listados;
  • a proteção constitucional ao direito à saúde.

Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha definido o rol da ANS como taxativo, admite exceções, especialmente em casos em que não há substituto terapêutico eficaz, ou em que a recusa coloca em risco o tratamento. Assim, decisões como a do TJ/PE reforçam uma linha interpretativa moderna e coerente com a finalidade do contrato de plano de saúde: proporcionar bem-estar e garantir tratamento adequado ao beneficiário.

O papel da perícia judicial e a importância de documentos técnicos


O caso também evidencia a relevância da perícia na resolução de conflitos desse tipo. A partir do momento em que um perito confirma que o material é indispensável ao procedimento, a recusa do plano tende a ser interpretada como atentatória ao equilíbrio contratual. É fundamental, portanto, que pacientes e advogados reúnam:

  • relatório médico detalhado;
  • prescrição completa dos materiais;
  • descrição da técnica cirúrgica;
  • orçamento hospitalar;
  • laudos e exames que comprovem a necessidade do procedimento.

A robustez documental aumenta significativamente as chances de sucesso em ações judiciais que buscam garantir o custeio.

Impacto prático para pacientes, profissionais e operadoras


Para o paciente, essa decisão reforça a mensagem de que a recusa injustificada não deve ser aceita passivamente. Profissionais da saúde também se beneficiam, pois decisões assim reafirmam a autoridade técnica do médico e a centralidade da indicação clínica. Já para as operadoras, o recado é claro: negativas genéricas ou burocráticas aumentam o risco de condenações, tanto por danos materiais quanto por danos morais.


Essa jurisprudência funciona como incentivo para que as empresas adotem políticas mais transparentes, invistam em auditorias médicas qualificadas e evitem decisões infundadas que podem gerar consequências financeiras e reputacionais.

Conclusão: a judicialização como ferramenta de proteção ao consumidor


A condenação analisada demonstra que o Judiciário tem atuado de forma firme para coibir práticas abusivas no setor de planos de saúde. A negativa de materiais cirúrgicos essenciais, especialmente quando há indicação médica precisa e comprovação técnica de necessidade, representa uma violação ao dever de boa-fé e ao próprio direito constitucional à saúde.

Embora desejável que tais conflitos fossem solucionados administrativamente, a experiência revela que a judicialização continua sendo, em muitos casos, o único meio de garantir a efetividade do tratamento. A decisão do TJ/PE contribui para solidificar uma jurisprudência que protege o consumidor e reconhece a vulnerabilidade do paciente nas relações com grandes operadoras.


Precisa de orientação jurídica sobre negativas de plano de saúde?


Nosso escritório atua de forma estratégica e especializada na defesa dos direitos do consumidor e do paciente, com foco em ações envolvendo negativas de cobertura, materiais cirúrgicos, tratamentos e procedimentos médicos.

Entre em contato e receba orientação personalizada para o seu caso.

Últimos artigos

Prédio do STF. Céu azul.
2 de dezembro de 2025
Análise da discussão no STF sobre a possibilidade de candidaturas sem partido: fundamentos constitucionais, riscos democráticos, e consequências para o sistema eleitoral brasileiro.
14 de novembro de 2025
Analisamos a recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que suspendeu a falência da Oi, os argumentos legais e os efeitos para credores, empregados e serviços essenciais.